sábado, 31 de março de 2007

Imprudências.


"Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?"

Resposta ao sermão.


Mas se desejo tanto, seria esse meu pecado?

Quem atirará em mim a primeira pedra?

Seria minha máxima culpa?

Seria mesmo assim tão errado?

E você, que sabe o que estou dizendo, o que responde?

Diga-me que estamos no caminho errado.

E que esse desejo só nos consome!

Sim, porque sei que não é só minha essa vontade.

Se a culpa, se é que alguém a tem, é pequenina.

Lindo desejo, sublime pecado.

Seríamos amantes, como foi antes planejado.


E então Ele me disse:


Não cobissai a mulher alheia!

Não desejes assim tão profundamente!

Não tenhas esses pensamentos sórdidos!

Não te submetas a traições (novamente!)

Não queiras o que é Errado, pelo simples ou pelo principal fato de ser.

Não veneres a carne, ela padece.

Não cultuai o belo, isso pode te embriagar.

Não sejas fácil, não chegarás a lugar algum.

Não caias em tentação, perderás seu lugar nas nuvens.

Não desejes!

Não desejes!

Não desejes!

Não desejes!

Não desejes!

Agora reza e pede perdão!





Ah! Como és Cruel Senhor!

sexta-feira, 30 de março de 2007

Que será que andam combinando no breu das tocas?


"O que será, que será?

Que andam suspirando pelas alcovas?

Que andam sussurrando em versos e trovas?

Que andam combinando no breu das tocas?

Que anda nas cabeças, anda nas bocas?

O que será, que será?

Que vive nas idéias desses amantes?

Que cantam os poetas mais delirantes?

Que juram os profetas embriagados?

Que está na fantasia dos infelizes?

Que está no dia a dia das meretrizes?


Será, que será.

O que não tem decência, nem nunca terá?

O que não tem censura, nem nunca terá?

O que não faz sentido?


O que será, que será?

Que todos os avisos não vão evitar?

Por que todos os risos vão desafiar?

E todos os destinos irão se encontrar?


O que não tem governo, nem nunca terá?

O que nao tem vergonha, nem nunca terá.?

O que não tem juízo?


La la la la la…….."

Alcóolicas.


"Te amo, Vida, líquida esteira onde me deito
Romã baba alcaçuz, teu trançado rosado
Salpicado de negro, de doçuras e iras.
Te amo, Líquida, descendo escorrida
Pela víscera, e assim esquecendo
Fomes
País
O riso solto
A dentadura etérea
Bola
Miséria.
Bebendo, Vida, invento casa, comida
E um Mais que se agiganta, um Mais
Conquistando um fulcro potente na garganta
Um látego, uma chama, um canto. Amo-me.
Embriagada. Interdita. Ama-me. Sou menos
Quando não sou líquida."

quinta-feira, 29 de março de 2007

Anos no Convento.


Quando cheguei naquele convento as freias me diziam o que fazer.
Era divertido.
Quantos Pai Nossos e Ave Marias rezar para livrar-me dos pensamentos pecaminosos.
Diziam: “Pare com esse olhar de raio-x, menina!”
"Esqueça esses desejos."
"Amarás somente o Senhor."
Mas... Ah! Que difícil tarefa...
Afinal e o mandamento primordial de amar a todos como a ti mesmo?!
Árdua tarefa!
Sentia-me como se aquele hábito estivesse em chamas.
Pecava até em sonhos..
Até que enfim, em uma oração telepática, o Senhor me disse:
“Faça o que quiseres pois é tudo da lei, da lei...”

quarta-feira, 28 de março de 2007

Construção em Fragmentos.


Amou daquela vez como se fosse a última

Beijou sua mulher como se fosse a única

E atravessou a rua com seu passo tímido

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego


Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir

E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague

Se faz paixão, serpente e nos habita.



Vi-as tumultuadas. Intensas.

E numa delas, insone, a mim me vi.
[...]

Que canto há de cantar o que perdura? A sombra, o sonho, o labirinto, o caos. A vertigem de ser, a asa, o grito. Que mitos, meu amor, entre os lençóis: O que tu pensas gozo é tão finito E o que pensas amor é muito mais. Como cobrir-te de pássaros e plumas e ao mesmo tempo te dizer adeus, Porque imperfeito és carne e perecível ?

A vida toda ou toda a vida?




Os dias não se descartam nem se somam, são abelhas
que arderam de doçura ou enfureceram
o aguilhão: o certame continua,
vão e vêm as viagens do mel à dor.
Não, não se desfia a rede dos anos: não hà rede.
não caem gota a gota de um rio: não há rio.
O sonho não divide a vida em duas metades,
nem a ação, nem o silêncio, nem a virtude:
a vida foi como uma pedra, um só movimento,
uma única fogueira que reverberou na folhagem,
uma flecha, uma só, lenta ou ativa, um metal
que subiu e desceu queimando em teus ossos.


(Poema XVIII - Pablo Neruda)

terça-feira, 27 de março de 2007

Patrão Nosso de Cada Dia



Eu quero o amor

Da flor de cactus

Ela não quis

Eu dei-lhe a flor

De minha vida

Vivo agitado

Eu já não sei se sei

De tudo ou quase tudo

Eu só sei de mim

De nós

De todo o mundo


Eu vivo preso

A sua senha

Sou enganado

Eu solto o ar

No fim do dia

Perdi a vida

Eu já não sei se sei

De nada ou quase nada

Eu só sei de mim

Só sei de mim

Só sei de mim


Patrão nosso

De cada dia

Dia após dia

segunda-feira, 26 de março de 2007

Sem Fantasia


"Vem, meu menino vadio, vem, sem mentir pra você

Vem, mas vem sem fantasia, que da noite pro dia

Você não vai crescer

Vem, por favor não evites meu amor, meus convites

Minha dor, meus apelos, vou te envolver nos cabelos,

Vem perde-te em meus braços pelo amor de Deus

Vem que eu te quero fraco, vem que eu te quero tolo

Vem que eu te quero to...do meu

Ah, eu quero te dizer que o instante de te ver custou tanto penar

Não vou me arrepender, só vim te convencer que eu vim pra não morrer

De tanto te esperar, eu quero te contar das chuvas que apanhei

Das noites que varei no escuro a te buscar

Eu quero te mostrar as marcas que ganhei nas lutas contra o rei

Nas discussões com Deus, e agora que cheguei eu quero a recompensa

Eu quero a prenda imensa dos carinhos teus"